Antonio Aílton
A grande maioria dos que estudaram o Parnasianismo, desde a escola já ouviram falar, pelo menos, em uma mulher entre os austeros parnasianos, de poemas esculpidos e canção marmórea: a poeta paulista de “Musa Impassível”, Francisca Júlia.
Porém, entre os grandes nomes maranhenses que brilham na poesia brasileira na passagem entre o século XIX e o século XX, bem poucos ouviram o nome de Leonete Oliveira (São Luís, 1888-Rio de Janeiro, 1969). Esta, segundo um dos importantes registros daquele momento, do escritor e crítico Antônio Lobo (Diário do Maranhão, 05/06/1898), foi, por sua vez, a primeira poeta maranhense, embora talvez tenha se referido à sua “estatura” poética, não à precedência temporal.
Leonete Oliveira ou, conforme assinava em suas primeiras publicações nos jornais maranhenses, Ângela Grassi (escritora romântica espanhola), ganhou o título de “a maior e mais brilhante poetisa maranhense” (M. Nogueira da Silva, Jornal das Moças, 1917, p. 12¹). Leonete Oliveira era também professora e bibliotecária.

Há realmente vários registros naqueles jornais finisseculares e de entresséculos. Mas quem resgata ultimamente esse nome tão importante, um tanto quanto apagado ou silenciado nas atuais matérias sobre a poesia daquele momento, é o incansável pesquisador Leopoldo Vaz, inconformado enquanto não alcança os últimos registros sobre o assunto que busca. Leopoldo publicou esse “apanhado” na sua Revista do Léo², onde pode ser pesquisado.
É somente através das espessuras e cortinas do tempo que podemos ver essa mulher, vivendo num contexto de poetas grandiosos, mas também de uma sociedade que de um modo ou de outro reprimia a voz feminina nos papeis intelectuais e culturais. O próprio Antônio Lobo levanta essa questão e relata que, infelizmente, e apesar de mesmo escassamente algumas vozes femininas ainda se sobressaírem nos grandes centros, na sociedade arcaica do Maranhão isso era muito mais difícil. A mulher, quando muito, dedicava (ou era lançada) aos conventos. Era a educação familiar e religiosa, e haveria muito mais beatas que poetisas – na linguagem da época.
Mesmo através dessas cortinas do tempo, o que podemos encontrar nela é uma mulher forte, que penetrou aos poucos nos meios literários e intelectuais, participava de eventos cívicos e religiosos, viajou bastante (São Paulo, Lisboa, Fortaleza, Rio de Janeiro…), fez-se considerar pelos poetas e críticos até sua morte, inclusive poetas conhecidos no séculos XX que lhe submetiam os textos; deu palestras sobre a condição da mulher na Biblioteca Pública do Estado e na Universidade Popular, deu voz à mulher em seus poemas, e era membro correspondente da Academia Maranhense de Letras. Publicou, além de muitos poemas esparsos, pelo menos três livros de poesia: “Flocos” (1910), “Cambiantes” e “Folhas de outono” (1914-1917[?]).
A intenção aqui, obviamente não é fazer um tratado sobre a autora, sua vida e as questões complexas que envolvem seu contexto e obscurecimento. Não é tampouco levantar disputas de se ela foi a primeira, a segunda, ou a terceira poeta maranhense etc, já que há também na pauta outros nomes importantes, como Maria Firmina dos Reis, que tem sido resgatada ultimamente. São coisas e questões que exigem uma pesquisa madura e aprofundada. Creio que ela deve ser valorizada pelo que ela é, pelo seu papel, pela sua figura de poeta do momento, inclusive dentro de um sistema da história da literatura brasileira, que relega tantos autores importantes à marginalidade.
Podemos entender a poética de Leonete Oliveira fundamentalmente dentro do espírito do Parnaso, como assim compreendemos, por exemplo, Raimundo Corrêa. Porém, mais acentuadamente que este, a poeta pratica ainda uma experiência romântica patente e se estende até o simbolismo. Seus poemas de tom e teor simbolistas são, a meu ver, os melhores. Ela não deixa também de extravasar em alguns momentos forte erotismo ou de, noutro registro, ironizar a questão masculina. Enfim, uma poeta de alto domínio formal que foi colocando ali, nas chaves parnasianas o seu espírito e sua força.
E a força de um poeta pode ser medida pela desejo que outros têm de imitá-lo(a) ou até plagiá-lo(la). Isto é, do impacto que sua poesia causa sobre outros. Foi o que aconteceu com um poema do Flocos, de 1910, de Leonete Oliveira, que foi descaradamente plagiada por Carlos Porto Carreiro em 1924 – talvez por um desses acasos que o autor publica e fica na obscuridade, enquanto outros se aproveitam. Mas a verdade apareceu.
Abaixo, escolhi alguns de seus fortes e encantadores sonetos, entretanto há muito mais a ser visto:
SÓ Sempre tiveste um coração vazio ermo de sonhos como um deserdado; nunca um raio de amor, mesmo tardio, pôde dar vida ao teu olhar gelado. Sempre viveste só, mudo e sombrio como quem traz no peito lacerado, em vez de um coração forte e sadio, um pedaço de mármore guardado. Mas um dia virá em, que, tristonho, cheio de dor e em lágrimas desfeito, hás de correr em busca de outro sonhos... Em vão! Que em cada coração, decerto, encontrarás o gelo do teu peito a aridez infinita de um deserto. (in: Flocos) SUPLÍCIO DE TÂNTALO Nasci de asas cortadas, no infinito dos meus sonhos de glória e de ventura, tentei em vão subir, no impulso aflito de quase desespero ou de loucura… Olhando o espaço, o coração contrito, das belezas da vida ando à procura, e penso, e sinto, e sofro, e choro, e grito , no anseio de vencer esta tortura… Diante de mim os pomos de ouro avisto e querendo alcançá-los fico inerme, sem saber se estou morta ou ainda existo… E vendo em tudo um luminoso véu, eu continuo qual se fora um verme, rastejando na terra e olhando o céu! (in: Folhas de outono) E este jocoso soneto, a nos lembrar o simbolismo irônico: CASAR É BOM - “Casar é bom - diz o burguês pacato, Por entre um riso de expressão brejeira - é muito bom ter-se uma companheira Que nos faça a pastinha e escove o fato”. - “Casar é bom, não com mulher faceira que vive empoada e trescalando extrato; quem tiver senso, o homem que for sensato que procure uma boa cozinheira... Essa que tem de todos os sentidos somente o paladar, é o que chamamos o lindo ideal de todos os maridos; não vê, não ouve, indiferente e fria, não pergunta zangada porque vamos todas as noite à maçonaria...” (O Jornal, de 26 de abril de 1921)
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¹ http://memoria.bn.br/pdf/111031/per111031_1917_00110.pdf
² https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo__25_-_outubro__2019